domingo, 20 de setembro de 2009

I FLIPA - Festival Literário da Pipa



17h30 — Tenda literária
Mesa 4: Hélio Galvão: A cultura praieira


Poucos intelectuais se credenciaram tanto à gratidão de sua terra e ao mesmo tempo dos estudiosos da História como o pesquisador, escritor e advogado Hélio Mamede de Freitas Galvão. No mundo confuso dos arquivos e cartórios, e no árduo universo da pesquisa histórica, Hélio Galvão percorreu quilômetros; da Fortaleza da Barra do Rio Grande à Tibau do Sul. Ao traçar a radiografia a trajetória humana e toda riqueza cultural produzida por ele, o jornalista contista, cronista, escritor e intelectual potiguar Sanderson Negreiros refaz essa trajetória tendo como debatedora a poeta e professora Diva Cunha, um dos nomes mais embasados da intelectualidade feminina potiguar, autora das obras poéticas ‘Canto de página’, ‘Palavra estampada’, ‘Coração de lata’ e o mais novo ‘Resina’; tendo ainda como mediadora a pesquisadora Gilmara Benevides, biógrafa de Hélio Galvão e autora do livro “Hélio Galvão - O Saber Como Herança” (edição Letras Potiguares/Funcarte).

Espaço Literário da Siciliano – Lançamentos e autógrafos
Autores das mesas: Todos os autores participantes das mesas literárias autografarão seus livros no Espaço Siciliano

Outros Autores locais:

Sexta, 25
19h – “Hélio Galvão, O Saber como Herança”, de Gilmara Benevides Costa

terça-feira, 14 de julho de 2009

Som potiguar promete



O CHICO ANTRONIC EMBOLA DUB é a mistura da embolada com a música eletrônica, confira entrevista exclusiva e faça o download da música "Vou surfar".

Chico Antronic Embola Dub é um projeto musical idealizado por Franklin Roosevelt (ex-baixista da banda O Surto). Releitura. Essa é a nova palavra de ordem da cultura contemporânea. Enquanto alguns antropólogos e pesquisadores criticam essa prática como sendo o extermínio das culturas em sua forma legítima, outros a exaltam como único meio de manter vivas as raízes culturais e a identidade de um povo. Releitura. É o que faz com o Coco Embolada a banda potiguar CHICO ANTRONIC EMBOLA DUB.

Com uma nova proposta sonora, a banda CHICO ANTRONIC EMBOLA DUB sintetiza as novas tendências da música popular brasileira. Misturando tradicionais ritmos e sonoridades nordestinas com batidas eletrônicas, baixos e guitarras influenciadas pelo rock. O CHICO ANTRONIC EMBOLA DUB é a ideal combinação da raiz poética nordestina com a sonoridade da música contemporânea.

CHICO ANTRONIC destaca em uma de suas músicas uma letra que fala do surf, a música "VOU SURFAR" faz parte do primeiro CD, o CHICO ANTRONIC EMBOLA DUB. A música foi feita especialmente para a galera do surf potiguar que após ouvir a música "OLLIE AIR" que fala de skate, passou a cobrar de Franklin uma letra surf, assim nasceu a música "Vou Surfar" que passar aquilo que o surfista sente mesmo, que surfar é um estilode vida, não só um esporte, "se entrar não tem saída". A música "Vou Surfar" pode ser feito o download clicando no link localizado no final desta matéria.

Em conversa com Franklin Roosevelt (Cantor e compositor) ele falou mais sobre suas músicas os velhos tempos de Skate e Sandboard, sua passagem na banda "O Surto", o Chico Antônio e muita mais, confira com exclusividade:

EMFOCOSURF:
Fale sobre a banda.

FRANKLIN:
O CHICO ANTRONIC EMBOLA DUB é um projeto musical idealizado por Franklin Roosevelt (ex-baixista da banda O Surto). Formado em outubro de 2008, conta com Franklin (voz), Edu Santana (programação e teclados) Diego (guitarra e backing vocal) Juliano julius (percussão) e Victor (bateria).

EMFOCOSURF:
Fale sobre este primeiro trabalho do Chico Antronic

FRANKLIN
Procuro sempre falar de assuntos diferentes e curiosos. Além de fazer uma homenagem ao embolador "Chico Antônio" (daí veio o nome do projeto), a música "Bala balada", fala sobre o que acontece de verdade nas baladas da noite. "Tattoo", fala tudo sobre a tatuagem, essa tá fazendo o maior sucesso entre os tatuadores. "Ollie Air", fala do Skate, sou Skatista desde os 13 anos de idade e na banda tem também o Edu Santana que é skatista, é uma música que toda a galera do skate potiguar curte. "Vou Surfar", esse som a galera do surf sempre me cobrava! rsrs, dizendo: "Franklin... você já fez a música pra galera do skate, agora tem de fazer uma pra galera do surf!", e eu fiquei com isso na cabeça e finalmente estou realizando esse nosso desejo. Só me lembra do tempo que quando eu morava em Ponta Negra e via Joca Júnior, Kalunga, Surfarna na minha frente! ehehehe. Tem a música "Drumin Base Malcriado", o Chicoantronic são dois vocais como dois emboladores, então em várias músicas acontece um desafio e troca de vocais. Tem a "Concidere" que fala do curriculo do cara animal, mas no final ele ta varrendo rua, uma crítica ao que ta acontecendo. O cd de Chico Antronic será lançado até o final deste ano.

EMFOCOSURF:
Que história é essa de Mp4 e Laptop?

FRANKLIN:
Resolvemos arrumar uns nomes artísticos pra ficar mais "antronic" rsrsrs, olha a onda:
Mp4 e Laptop nos vocais, GPS (percussão), control V (bateria), Hacker (teclado e programação), Mouse (guitarra).


EMFOCOSURF:
Porque o nome Chico Antronic?

FRANKLIN:
O nome CHICO ANTRONIC vem das melodias do embolador potiguar Chico Antônio – reverenciado pelo historiador Câmara Cascudo e pelo escritor Mário de Andrade – Francisco Antônio era um embolador filho de agricultor que sonhava em ser cantador enquanto capinava o mato. Descrevo muito bem a história de Chico Antônio na faixa "Na Pankada do Kanzá".

EMFOCOSURF:
Fale do seu relacionamento com o esporte.

FRANKLIN:
Ando de Skate desde os 13 anos de idade, e fui atleta competidor de 88 a 92, participei de vários campeonatos, fui a Fortaleza várias vezes pra andar com skatistas como Charles, Gato, Guabira lá no Bow da Praia de Iracema. Também já pratiquei Sandboard numa viagem pra “floripa” e quando cheguei a Natal comecei logo a treinar, e isso foi nos anos 90, participei também de campeonatos inclusive ganhei do Thiago Mancha num campeonato lá em Búzios. Mas depois quebrei o pé e parei de me arriscar tanto, aqui não dá pra praticar sandboard, mas é um paraíso pra andar de skate. Sandboard é um esporte muito difícil e perigoso, principalmente quando se arriscas manobras tão radicais como as que os sandboarders daí do Ceará fazem, pra mim são os melhores!

EMFOCOSURF:
Fale de seus outros trabalhos como humorista.

FRANKLIN:
Pra quem quiser conferir, pode ver no youtube minhas presepadas, é só procurar por personagens como: Eva Dias (previsão do tempo), triste mais eu não me queixo (versão de californication RHCP), Playmobil (versão de blame it on me - akon), Bichanna (versão de rihanna -queimando a ruela), tem também minha participação no show do TOM.


EMFOCOSURF:
Fale de sua passagem pela banda O Surto?

FRANKLIN:
Entrei no surto em 96, após um tempo fora, voltei em 99 e participei dos anos dourados da banda, rsrsrs. 2000 a 2002, onde tocamos por todo Brasil, Rockin Rio 3, e até Japão, também toquei no Ceará Music. Depois que a banda se separou, eu voltei para nordeste e passei a fazer esse lance com embolada, primeiro foi com o “folcore” e agora com o Chico Antronic Embola Dub.

EMFOCOSURF:
Perguntas rápidas

Nome completo: Franklin Roosevelt de Medeiros
Idade: 35
Uma música: Tattoo
Uma Banda: Faith No More
Um Filme: Up smoking - cheech e choogh
Um Show: Quando toquei no Rock In Rio 3 (como baixista da banda "o surto")
Um sonho: Tocar na Europa
O que esperam de 2009: Só coisa boa
Vocês como varias bandas já devem ter utilizado os meios de internet para divulgação da banda, vocês são contra ou a favor dos downloads? A favor!

EMFOCOSURF:
Pra finalizar, deixe um recado pra galera que acessa o site emfocosurf.com.br e para os fãs da banda.

FRANKLIN
Galera, acessem nosso site (myspace.com/chicoantronicemboladub), massa!!! tem um festival em curitiba, que nós estamos concorrendo, a galera tem de passar no site e votar no CAED: www.crossroad.com.br/festivaljamsession

A banda pretende aprimorar ainda mais seus recursos físicos e poéticos para que o público possa gostar cada vez mais deste projeto, que pode se tornar mais um novo rumo na música brasileira.


Integrantes da banda Chico Antronic


Chico Antronic em recente apresentação no Hotel Club


Victor (control V) - batera "chico antronic embola dub"


Foto de Chico Antônio, embolador e inspiração da banda.


Foto de Chico Antônio feita por Mario Andrade.

Link Myspace com várias musicas do Chico Antronic:
http://www.myspace.com/chicoantronicemboladub

Downloads das músicas de Chico Antronic Embola Dup
Clique no link download e salve as faixas em seu computador, as mesmas estão no formato mp3.

Chico Antronic - Bala Balada
Download
Chico Antronic - Considere
Download
Chico Antronic - Drumin Base Mal Criado
Download
Chico Antronic - Jerimun Com Pashina
Download
Chico Antronic - Luquinha da Lagoa
Download
Chico Antronic - Na Pankada do Ganzá
Download
Chico Antronic - Ollie Air
Download
Chico Antronic - Tattoo
Download
Chico Antronic - Vou Surfar
Download

Todos os direitor reservados a Panela Produtora

Chico Antronic Embola Dub ganha prêmio!

A nossa embolada em homenagem aos 40 anos da TV Cultura, foi premiada como melhor Depoimento!!

A partir de Segunda estará em Destaque no site e será exibido na programação de comemoração da TV !!

Obrigado a todos que nos ajudaram a alcançar essa meta!

ainda não viu o Vídeo? aproveita e veja agora!
www.tvcultura.com.br/40anos/player/media/4108


Chico Antronic
Embola Dub
--
Franklin Roosevelt de Medeiros
Músico / compositor
chico Antronic Embola Dub

Chico Antronic Embola Dub no Youtube!

Já tá no youtube o novo demo clip do CHICO ANTRONIC EMBOLA DUB!
dessa vez a música é a DRUMIN BASE MAL CRIADO !
vejam e divirtam-se!!

http://www.youtube.com/watch?v=o49SgDwqMAk


segunda-feira, 13 de julho de 2009

No balanço do ganzá


Imprimir E-mail
Escrito por Inácio França
Por Inácio França


Chico Antônio é citado ou aparece como protagonista em cinco livros de Mario de Andrade, cantou na Rede Globo, teve sua vida registrada num documentário financiado pela Funarte, foi lembrado por Antônio Nóbrega no disco Na Pancada do Ganzá e pelo grupo Mestre Ambrósio. Agora, em setembro, mês em que ele completaria 100 anos, a casa onde vivia no município de Pedro Velho, no Rio Grande do Norte, será tombada como patrimônio histórico estadual. Sua biografia será lançada no final do ano pela editora da UFRN. Mas, afinal, quem foi esse Chico Antônio, merecedor de tamanhas homenagens?

Embolador de coco, ou “coquista”, Francisco Antônio Moreira reservou sua vaga no imaginário dos intelectuais brasileiros no final da década de 1920, quando foi “descoberto” por Mario de Andrade durante a viagem etnográfica que o escritor paulista fez ao Nordeste, entre os anos de 1927 e 1929. O autor de Macunaíma ficou tão encantado com os versos improvisados de Chico que decidiu imortalizá-lo na sua obra. O cantador potiguar mereceu destaque nos livros Os Cocos, Danças Dramáticas do Brasil, Vida de Cantador, Turista Aprendiz e Melodias do Boi e Outras Peças.

A autoridade intelectual de Andrade transformou Chico Antônio num dos símbolos do Modernismo, cultuado pela intelectualidade dos anos 30 e 40 como um exemplo do talento do artista popular. Cultuado, porém desconhecido. Convidado pelo escritor para acompanhá-lo na viagem de volta a São Paulo, Chico recusou, pois tinha mulher e filhos. Preferiu cuidar da família a cantar nos salões paulistanos. Assim, as citações nos livros conferiram ao embolador uma aura de personagem lendário. Os leitores e estudiosos da obra de Mario, que nunca escutaram a voz e o ritmo do cantador de coco, contentavam-se com os poucos versos coletados e reproduzidos pelo escritor.

Mas, enquanto os livros de Andrade acumulavam poeira nas estantes ou eram analisados e reinterpretados por estudantes de literatura nas universidades, o homem Chico Antônio continuava cantando, “tirando cocos” nos engenhos e comunidades rurais de Pedro Velho, Canguaretama, Goianinha, Nísia Floresta e São José do Mipibu, cidades ao sul de Natal. Nem imaginava que tinha se transformado em personagem cultuado.

Não fosse o acaso, ficaria no imaginário e não na história. Em 1979, sem estrutura para trabalhar como diretor de Promoções Culturais da Fundação José Augusto, do governo potiguar, o folclorista Deífilo Gurgel decidiu usar o carro e o motorista da repartição para fazer um inventário das danças populares do seu Estado. No último dia de sua viagem pelas cidades e vilas do litoral, chegou a Pedro Velho. Fotografava a igreja matriz, quando o tabelião do cartório local se aproximou, disposto a ciceroneá-lo. “Era final de tarde, já dava a pesquisa por concluída, quando o tabelião me levou para fotografar umas ruínas. Depois, fomos até sua casa comer canjica e tomar café, foi quando lhe expliquei que estava catalogando grupos de dança e artistas populares. Ele estava pensando que eu era fotógrafo”.

Conversador, disposto a ajudar o funcionário público da capital, o tabelião garantiu que a cidade tinha um embolador de coco dos bons. Era noite e Deífilo não estava muito disposto a retomar a rotina de entrevistas e gravações. Foi só escutar o nome “Chico Antônio” que seu ânimo melhorou. Os dois foram até a casa do cantador, na mesma noite, 10 quilômetros por uma estrada de barro. Sob a luz do candeeiro, Deífilo perguntou ao velho Chico Antônio, então com 75 anos: “O senhor lembra de um pessoal de São Paulo que veio ver o senhor cantar lá no Bom Jardim?”. Lúcido e com a memória intacta, o embolador nem esperou o final da pergunta: “Lembro do doutor Mario. Mario de Andrade”. O personagem saía das páginas amareladas. Era um homem de carne, osso e poesia.

Deífilo voltou para Natal, escreveu artigos publicados nos jornais locais. Os correspondentes dos jornais do eixo Rio-São Paulo publicaram matérias no Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e O Globo. Aloísio Magalhães, então secretário de Cultura do Ministério da Educação, foi ao Rio Grande do Norte e fez questão de conhecê-lo. A Funarte mandou uma equipe registrar seu canto e gravou o LP “No Balanço do Ganzá”. Em 1983, o cineasta Eduardo Escorel captou as imagens e as entrevistas para o documentário Chico Antônio, um Herói com Caráter, também financiado pela Funarte. A equipe do Som Brasil, programa apresentado por Rolandro Boldrin que marcou época nas manhãs de domingo da Rede Globo, enviou duas passagens de avião para que ele fosse cantar. Antes da gravação, deu entrevista coletiva para os jornais. Quebrando as normas da emissora, só cantou depois de tomar algumas doses de aguardente, que o próprio Boldrin mandou comprar para “inspirar” o velho cantador. Entre os defensores da cultura popular, no início dos anos 80, menos numerosos do que hoje, Chico Antônio voltou a ser mania. Fenômeno de mídia, logo seu nome desapareceu das manchetes.

Depois de tudo isso, a idade pesou. Sem forças para cantar, passou a sobreviver de uma pensão especial concedida pelo governo. Morreu esquecido, em outubro de 1993, exatamente durante as comemorações do centenário de Mario de Andrade.

Em Toulouse, na França, o músico e pesquisador Claude Sicre, líder de um movimento que busca no forró e no repente traços e similaridades com a música dos trovadores medievais franceses, convenceu as autoridades locais a erguerem uma estátua na Place dês Troubadours em sua homenagem. No pedestal, uma placa informa aos desavisados que aquela imagem representa Chico Antônio, o maior cantador do século 20. Levado por seu amigo Sicre, Lenine viu a estátua e ficou perplexo. Lenine assegura que Sicre escutou o CD da Funarte (aquele que foi gravado originalmente no formato LP) e se apaixonou pela arte do potiguar. O mesmo aconteceu com Siba, do Mestre Ambrósio, e Antônio Nóbrega. Mas eles são exceções à regra. Afora esses registros, a Fundação Hélio Galvão, de Natal, lançou no início deste ano o CD Carretilha de Cocos, com coquistas da atualidade cantando algumas de suas músicas. A esperança de que esse catálogo aumente está nas fitas cassetes gravadas por Deífilo Gurgel ao longo de quase 14 anos de convivência com Chico.


Durante a pesquisa de campo para sua tese de mestrado em Antropologia Cultural pela UFPE, a historiadora potiguar Gilmara Benevides atestou que o culto ao cantador independe do grau de conhecimento que as pessoas têm a respeito de sua arte. No final desse ano, a historiadora lançará a primeira biografia do artista, O Canto Sedutor do Coquista Chico Antônio, pela editora da UFRN.



Uma história contada por Deífilo Gurgel revela que, gozador e brincalhão, Chico Antônio tinha noção do valor de sua arte, mesmo antes de ser apresentado e passar pelo crivo de Mario de Andrade: depois que foi convidado pelo crítico Antônio Bento para morar no Bom Jardim, um capataz do engenho foi até a casa de taipa onde ele tinha sido instalado e lhe entregou uma foice e um quartinho d’água, ordenando em seguida que fosse cortar cana. Chico não se moveu da rede onde estava deitado e dispensou o capataz: “Cumpade Antônio Bento me trouxe aqui foi pra cantar, não foi pra trabalhar, não”.


(Leia mais na edição 45 da Revista Continente Multicultural. Já nas bancas.)


domingo, 14 de junho de 2009

Mário, Íntimo e Pessoal


A vida do mentor do modernismo brasileiro sempre foi cercada de mistério. A correspondência com o fazendeiro Pio Lourenço Corrêa, uma espécie de pai postiço do escritor, abre caminho para a compreensão das angústias do homem e, em consequência, de sua obra



BJ Duarte
O escritor Mário de Andrade. Entre 1917 e 1945, ele manteve com o “tio Pio” uma correspondência sobretudo afetiva — e a mais longa de sua vida
O escritor Mário de Andrade. Entre 1917 e 1945, ele manteve com o “tio Pio” uma correspondência sobretudo afetiva — e a mais longa de sua vida

Por João Pombo Barile

Em uma das incontáveis cartas que escreveu, Mário de Andrade relatou a Manuel Bandeira: "O caso típico da minha afetividade foi a morte de meu mano mais moço, que me levou quase pra morte também. (...) os médicos chegaram a não dar mais nada por mim. Não comia, não dormia. Foi o bom senso de um tio, espécie de neurastênico de profissão, que me salvou. Pegou em mim, me levou pra fazenda dele, me deixou lá sozinho. (...) Voltei poeta da fazenda". Referindo-se ao episódio da morte de seu irmão Renato, em decorrência de uma cabeçada em um jogo de futebol em 1913, quando este contava apenas 14 anos, o grande mentor do modernismo revelava a importância do fazendeiro Pio Lourenço Corrêa — o "tio" da carta — na sua formação. Uma formação que, além dos aspectos literários e teóricos, foi forjada também nas angústias e neuroses do autor de Macunaíma.

Boa parte dessa faceta pessoal de Mário de Andrade pode ser vislumbrada em Pio & Mário — Diálogo da Vida Inteira, que chega às livrarias neste mês. O volume, ilustrado por dezenas de fotos, reúne 105 cartas de Pio e 84 de Mário, escritas entre 1917 a 1945. É a mais longa troca de correspondência do escritor de que se tem notícia, começando quando ele era ainda um desconhecido e indo até cinco dias antes de sua morte. Discreto, Mário falava pouco da vida íntima. Embora não seja pródiga em desabafos, a correspondência com Pio é das mais pessoais entre todas as que Mário mantinha. Bem esmiuçada, pode abrir caminho para a compreensão das angústias do escritor, estudo que seria importantíssimo para a melhor compreensão de sua obra.

Mas quem era Pio? Nascido em 1875, tinha 18 anos a mais que Mário e, embora este o chamasse de "tio", Pio era, na realidade, casado com sua prima Zulmira de Moraes Rocha. O casal era proprietário da chácara Sapucaia, em Araraquara, no interior de São Paulo, onde o escritor se hospedava com frequência. Foi lá que, deitado em uma rede durante uma semana de 1927, Mário escreveria Macunaíma. "É a minha Pasárgada", gostava de dizer.

À diferença dos outros correspondentes de Mário, Pio não era artista, mas teve um papel fundamental na trajetória do escritor por conta dessa dimensão afetiva. Embora a correspondência seja pontuada por discussões intelectuais (Pio manifesta restrições, por exemplo, a Amar, Verbo Intransitivo e a Macunaíma), esse não era, evidentemente, o ponto principal da relação. Quem o diz com clareza é Mário. Numa carta datada de 11 de maio de 1931, ele escreve a respeito das divergências: "Às minhas loucuras, fantasias, curiosidades, a sua simplicidade sistematizada de ser deu maior paciência, mais precisão de fortificarem-se no estudo; à minha sensibilidade o senhor e sua vida trouxe novos lados, desconhecidos antes, por onde ela se experimentasse e enriquecesse; e finalmente à riqueza milionária das minhas fraquezas veio a sua belíssima e tão nobre atitude moral por freios".

Com essa "nobre atitude moral" a colocar freios, Pio foi uma espécie de pai postiço de Mário, cuja relação com o pai verdadeiro, o jornalista Carlos Augusto de Andrade, sempre foi conturbada. Um dos fundadores do primeiro vespertino da capital paulista, a Folha da Tarde, Carlos seria sempre retratado como figura autoritária na obra do filho escritor — como no poema A Escrivaninha (1922) e no conto O Peru de Natal (1938-1942).

Não eram poucas as angústias familiares de Mário. Espécie de caçula indesejado, "meio amulatado e feio", como dizia, conviveu na infância com a predileção da família por Renato, o irmão "bonito e loiro". Talvez por isso a morte precoce e trágica do menino tenha devastado tanto Mário, a ponto de, como já vimos relatado pelo próprio escritor, ter-se tornado um divisor de águas. Pio estava lá, mas os acontecimentos deixariam marcas em Mário, sobretudo um tremor nas mãos que o impediria de ser concertista.

Ao componente racial, motivo de um complexo que acompanharia o escritor ao longo da vida, somaram-se questões de classe. À diferença de Oswald de Andrade, por exemplo, o "homem sem profissão" que assumiria a vanguarda literária do início do século 20 financiado pela fortuna pessoal, Mário foi o protótipo do que o sociólogo Sergio Miceli chamou de o "primo pobre" do modernismo brasileiro. Nascido na capital paulista em 1893 e formado no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, Mário teria de trabalhar a vida inteira, levando uma vida modesta de professor.

Com seu "complexo de inferioridade orgulhosíssimo", como escreveu em certa ocasião, Mário também se tornaria um homem metódico e cioso de sua memória. Desde 1923, ele já catalogava todos os seus documentos, e hoje seus milhares de cartas e fichas de leitura estão devidamente guardados no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP). No artigo Fazer a História, de 1944, ele escreveu: "Tudo será posto a lume um dia, por alguém que se disponha a realmente fazer a História. E imediato, tanto correspondências como jornais e demais documentos não opinarão como nós, mas provarão a verdade".

"BONECA DE PICHE"

A despeito de tamanho cuidado de Mário, ainda existem vários pontos obscuros em sua biografia. O principal — e mais polêmico de todos — diz respeito à suposta homossexualidade do escritor. O tema foi levantado pela primeira vez pelo jornalista e escritor Moacir Werneck de Castro em 1989, no livro Mário de Andrade: Exílio no Rio, em que narra sua convivência com o poeta entre os anos 1938 e 1940, quando Mário lecionou na capital fluminense. "Na raiz do drama existencial de Mário de Andrade jaz a angústia da sexualidade reprimida e transformada em difusa pan-sexualidade", escreveu.

Em 1998, foi a vez da escritora Rachel de Queiroz, que, em Tantos Anos, sua autobiografia, afirmou que Mário teria sido mais feliz se tivesse assumido a homossexualidade. Entretanto, o que se falou sobre o assunto se esgota praticamente aí. Há até hoje um cordão de isolamento em torno do assunto entre seus herdeiros paulistas, e há quem diga — principalmente em universidades de outros estados — que existe uma parte da correspondência de Mário que segue sob censura na Universidade de São Paulo, onde está baseada.

Longe de pertencer ao reino da fofoca, o tema é fundamental para entender a obra de Mário e algumas de suas relações pessoais mais importantes — como, por exemplo, a amizade entre o escritor e a pintora Anita Malfatti. Pelas cartas que ambos trocaram, pode-se inferir que a artista alimentou um amor platônico por Mário, ao qual ele nunca correspondeu. O estudo do tema é também fundamental para entender uma questão central do modernismo, o rompimento entre Mário e Oswald. Em artigo sobre o assunto, o jornalista Humberto Werneck conta como o autor de Serafim Ponte Grande gostava de fazer piadas venenosas sobre a suposta homossexualidade de Mário. Oswald chegou a escrever, por exemplo, que de costas Mário se parecia muito com Oscar Wilde, numa alusão ao escritor inglês que enfrentou um doloroso processo judicial por causa da orientação sexual.

Em tom de brincadeira, Oswald também gostava de assinar artigos com o codinome Cabo Machado, referência a um personagem de um poema de Mário: "Cabo Machado é cor de jambo,/ (...) Cabo Machado é moço bem bonito./ (...) Cabo Machado é doce que nem mel (...)". De acordo com Mário da Silva Brito, o historiador pioneiro do modernismo também citado no artigo de Humberto Werneck, o rompimento definitivo pode ter ocorrido por causa de um texto escrito por Oswald em 1929, com o título Boneca de Piche — alusão à suposta homossexualidade e à cor da pele do escritor.

Naquela mesma carta endereçada a Pio no dia 11 de maio de 1931, Mário escreve mais adiante: "Estava carecendo deste desabafo e me sinto feliz agora. Desabafo saído com toda a espontaneidade e que teve a enorme utilidade de me botar bem no meu lugar". Quem sabe a divulgação da correspondência com Pio Lourenço, revelando "desabafos" como aquele, não ajude a chegar a uma "verdade" mais completa sobre Mário, como ele queria. Tabus infundados têm atrapalhado as pesquisas sobre a biografia de Mário de Andrade. Que a correspondência com o "tio Pio" ajude a colocá-los por terra. A moderna teoria literária prega que só o entendimento do homem, em sua inteireza, pode ajudar a compreender e iluminar a obra do escritor.

João Pombo Barile é jornalista.

O LIVRO
Pio & Mário — Diálogo da Vida Inteira. Edições Sesc SP/Ouro Sobre Azul, 424 págs., R$ 96.

LEIA TAMBÉM
Obra Imatura, de Mário de Andrade. Agir, 224 págs., R$ 49,90.

sábado, 19 de abril de 2008

A corrente afetiva


A comovente despedida escrita por Deífilo Gurgel na forma de uma carta sem resposta, publicada no Jornal de Natal a 25 de outubro de 1993, pareceu assinalar o fecho de uma longa trajetória, marcada por um inesperado e tardio ressurgimento, seguido de um breve e derradeiro período de ostracismo. A morte de Chico Antonio, aos 89 anos, nos fez presumir que ele estava condenado para sempre ao esquecimento.

Investido da autoridade de quem resgatou o cantador de côco do anonimato, 50 anos depois do seu encontro com Mário de Andrade em 1929, proporcionando-lhe um novo período de celebridade, Deífilo Gurgel evocou na carta sem resposta alguns dos momentos vividos por Chico Antonio depois de ter sido “redescoberto”, graças à publicação de O turista aprendiz – a noite em que recebeu, pela primeira vez, a visita do pesquisador de danças folclóricas, os encontros com Câmara Cascudo e Aloísio Magalhães, a gravação do disco Na pancada do ganzá, a ida a São Paulo para se apresentar no programa Som Brasil, os “momentos de alegria” que compartilharam.

Ao receber a notícia da morte de Chico Antonio, Deífilo Gurgel se recusou a acreditar que era verdadeira pois, para ele, “quem tem um padrinho do tamanho de Mário de Andrade não morrerá, jamais.” Os mais céticos, no entanto, imaginaram que Chico Antonio estivesse mesmo condenado a desaparecer da memória coletiva.

Eis se não quando surge uma amorosa pesquisadora e resgata Chico Antonio, trazendo-o, mais uma vez, à tona, demonstrando assim que Deífilo Gurgel, de certa maneira, tinha razão. Gilmara Benevides Costa é o mais recente elo da poderosa corrente afetiva iniciada quando Mário de Andrade e Chico Antonio se conheceram no engenho Bom Jardim, graças à amizade de Antonio Bento. Corrente que continuou a se fortalecer com a dedicação de Oneyda Alvarenga, Telê Porto Ancona Lopez e Raimunda de Brito Batista à edição dos escritos de Mário de Andrade referentes a Chico Antonio.

Agora, a contribuição de Gilmara Benevides Costa acrescenta mais um elo essencial a essa corrente. Além de consolidar as esparsas informações biográficas existentes, ela estudou in loco a visão que os conterrâneos tinham do cantador, e ainda reconstituiu a triste história dos seus últimos anos, durante os quais voltou ao anonimato. Melancólico, sob vários aspectos lamentável, o final da vida de Chico Antonio carecia ser contado para que não prevalecesse para sempre apenas a visão algo idealizada que, de certa maneira, Mário de Andrade começou a construir e que, depois dele, muitos de nós cultivamos.

O canto sedutor de Chico Antonio evidencia mais uma vez a extraordinária força dessas duas personalidades, uma de intelectual paulistano, outra de cantador de côco nordestino, que tendo convivido por apenas alguns dias, deixaram para sempre, um no outro, impressão tão poderosa que continua a despertar paixões como a que transparece do texto de Gilmara Benevides Costa.

Eduardo Escorel
Rio, 7/8/04