Escrito por Inácio França | |
Por Inácio França Chico Antônio é citado ou aparece como protagonista em cinco livros de Mario de Andrade, cantou na Rede Globo, teve sua vida registrada num documentário financiado pela Funarte, foi lembrado por Antônio Nóbrega no disco Na Pancada do Ganzá e pelo grupo Mestre Ambrósio. Agora, em setembro, mês em que ele completaria 100 anos, a casa onde vivia no município de Pedro Velho, no Rio Grande do Norte, será tombada como patrimônio histórico estadual. Sua biografia será lançada no final do ano pela editora da UFRN. Mas, afinal, quem foi esse Chico Antônio, merecedor de tamanhas homenagens? Embolador de coco, ou “coquista”, Francisco Antônio Moreira reservou sua vaga no imaginário dos intelectuais brasileiros no final da década de 1920, quando foi “descoberto” por Mario de Andrade durante a viagem etnográfica que o escritor paulista fez ao Nordeste, entre os anos de 1927 e 1929. O autor de Macunaíma ficou tão encantado com os versos improvisados de Chico que decidiu imortalizá-lo na sua obra. O cantador potiguar mereceu destaque nos livros Os Cocos, Danças Dramáticas do Brasil, Vida de Cantador, Turista Aprendiz e Melodias do Boi e Outras Peças. A autoridade intelectual de Andrade transformou Chico Antônio num dos símbolos do Modernismo, cultuado pela intelectualidade dos anos 30 e 40 como um exemplo do talento do artista popular. Cultuado, porém desconhecido. Convidado pelo escritor para acompanhá-lo na viagem de volta a São Paulo, Chico recusou, pois tinha mulher e filhos. Preferiu cuidar da família a cantar nos salões paulistanos. Assim, as citações nos livros conferiram ao embolador uma aura de personagem lendário. Os leitores e estudiosos da obra de Mario, que nunca escutaram a voz e o ritmo do cantador de coco, contentavam-se com os poucos versos coletados e reproduzidos pelo escritor. Mas, enquanto os livros de Andrade acumulavam poeira nas estantes ou eram analisados e reinterpretados por estudantes de literatura nas universidades, o homem Chico Antônio continuava cantando, “tirando cocos” nos engenhos e comunidades rurais de Pedro Velho, Canguaretama, Goianinha, Nísia Floresta e São José do Mipibu, cidades ao sul de Natal. Nem imaginava que tinha se transformado em personagem cultuado. Não fosse o acaso, ficaria no imaginário e não na história. Em 1979, sem estrutura para trabalhar como diretor de Promoções Culturais da Fundação José Augusto, do governo potiguar, o folclorista Deífilo Gurgel decidiu usar o carro e o motorista da repartição para fazer um inventário das danças populares do seu Estado. No último dia de sua viagem pelas cidades e vilas do litoral, chegou a Pedro Velho. Fotografava a igreja matriz, quando o tabelião do cartório local se aproximou, disposto a ciceroneá-lo. “Era final de tarde, já dava a pesquisa por concluída, quando o tabelião me levou para fotografar umas ruínas. Depois, fomos até sua casa comer canjica e tomar café, foi quando lhe expliquei que estava catalogando grupos de dança e artistas populares. Ele estava pensando que eu era fotógrafo”. Conversador, disposto a ajudar o funcionário público da capital, o tabelião garantiu que a cidade tinha um embolador de coco dos bons. Era noite e Deífilo não estava muito disposto a retomar a rotina de entrevistas e gravações. Foi só escutar o nome “Chico Antônio” que seu ânimo melhorou. Os dois foram até a casa do cantador, na mesma noite, 10 quilômetros por uma estrada de barro. Sob a luz do candeeiro, Deífilo perguntou ao velho Chico Antônio, então com 75 anos: “O senhor lembra de um pessoal de São Paulo que veio ver o senhor cantar lá no Bom Jardim?”. Lúcido e com a memória intacta, o embolador nem esperou o final da pergunta: “Lembro do doutor Mario. Mario de Andrade”. O personagem saía das páginas amareladas. Era um homem de carne, osso e poesia. Deífilo voltou para Natal, escreveu artigos publicados nos jornais locais. Os correspondentes dos jornais do eixo Rio-São Paulo publicaram matérias no Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e O Globo. Aloísio Magalhães, então secretário de Cultura do Ministério da Educação, foi ao Rio Grande do Norte e fez questão de conhecê-lo. A Funarte mandou uma equipe registrar seu canto e gravou o LP “No Balanço do Ganzá”. Em 1983, o cineasta Eduardo Escorel captou as imagens e as entrevistas para o documentário Chico Antônio, um Herói com Caráter, também financiado pela Funarte. A equipe do Som Brasil, programa apresentado por Rolandro Boldrin que marcou época nas manhãs de domingo da Rede Globo, enviou duas passagens de avião para que ele fosse cantar. Antes da gravação, deu entrevista coletiva para os jornais. Quebrando as normas da emissora, só cantou depois de tomar algumas doses de aguardente, que o próprio Boldrin mandou comprar para “inspirar” o velho cantador. Entre os defensores da cultura popular, no início dos anos 80, menos numerosos do que hoje, Chico Antônio voltou a ser mania. Fenômeno de mídia, logo seu nome desapareceu das manchetes. Depois de tudo isso, a idade pesou. Sem forças para cantar, passou a sobreviver de uma pensão especial concedida pelo governo. Morreu esquecido, em outubro de 1993, exatamente durante as comemorações do centenário de Mario de Andrade. Em Toulouse, na França, o músico e pesquisador Claude Sicre, líder de um movimento que busca no forró e no repente traços e similaridades com a música dos trovadores medievais franceses, convenceu as autoridades locais a erguerem uma estátua na Place dês Troubadours em sua homenagem. No pedestal, uma placa informa aos desavisados que aquela imagem representa Chico Antônio, o maior cantador do século 20. Levado por seu amigo Sicre, Lenine viu a estátua e ficou perplexo. Lenine assegura que Sicre escutou o CD da Funarte (aquele que foi gravado originalmente no formato LP) e se apaixonou pela arte do potiguar. O mesmo aconteceu com Siba, do Mestre Ambrósio, e Antônio Nóbrega. Mas eles são exceções à regra. Afora esses registros, a Fundação Hélio Galvão, de Natal, lançou no início deste ano o CD Carretilha de Cocos, com coquistas da atualidade cantando algumas de suas músicas. A esperança de que esse catálogo aumente está nas fitas cassetes gravadas por Deífilo Gurgel ao longo de quase 14 anos de convivência com Chico. Durante a pesquisa de campo para sua tese de mestrado em Antropologia Cultural pela UFPE, a historiadora potiguar Gilmara Benevides atestou que o culto ao cantador independe do grau de conhecimento que as pessoas têm a respeito de sua arte. No final desse ano, a historiadora lançará a primeira biografia do artista, O Canto Sedutor do Coquista Chico Antônio, pela editora da UFRN. Uma história contada por Deífilo Gurgel revela que, gozador e brincalhão, Chico Antônio tinha noção do valor de sua arte, mesmo antes de ser apresentado e passar pelo crivo de Mario de Andrade: depois que foi convidado pelo crítico Antônio Bento para morar no Bom Jardim, um capataz do engenho foi até a casa de taipa onde ele tinha sido instalado e lhe entregou uma foice e um quartinho d’água, ordenando em seguida que fosse cortar cana. Chico não se moveu da rede onde estava deitado e dispensou o capataz: “Cumpade Antônio Bento me trouxe aqui foi pra cantar, não foi pra trabalhar, não”. (Leia mais na edição 45 da Revista Continente Multicultural. Já nas bancas.) |
segunda-feira, 13 de julho de 2009
No balanço do ganzá
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Muito bom, Gilmara. Meus estímulos e um abraço!
ResponderExcluirParabéns pelo blog.
ResponderExcluirTomei a liberdade de reproduzir esse texto, citando esta página como fonte, no meu blog:
http://emboladaetc.blogspot.com.br/2012/11/chico-antonio.html
onde coloquei um link para o disco da funarte com o grande Chico Antônio.
Abraço.
Excelente artigo!!!!
ResponderExcluirParabéns. Excelente
ResponderExcluir